O novo normal da moda

Não sei quando você vai ler esse texto, mas estou escrevendo ele em Setembro de 2020. Estamos ainda no meio da maior reviravolta social global, causada por um pequeno vírus.

Esse pequeno ser, invisível aos olhos, causou uma mudança extremamente significativa na vida das pessoas e praticamente em tudo. Estamos falando de escala global, no mundo todo. Pois mais do que o vírus é o fato de não sabermos como lidar com ele e nem com suas consequências. Não estou falando de questões de saúde não, estou falando como sociedade.

Foi colocado em cheque a forma como vivíamos, nossas rotinas, a forma que fazíamos todas as coisas. Afinal o contato pessoal foi reduzido drasticamente, assim como a forma que o mercado capitalista funcionava. De uma hora para a outra somos aconselhados a não sair de casa, evitar contato físico com as pessoas e com as coisas também. Fazer compras ficou mais complicado, assim como realizar as vendas também. Milhares de empresas que não conseguiram se adaptar as novas exigências à tempo, envelheceram séculos em poucos meses, e muitas delas fecharam e faliram.

As pessoas ficaram mais tempo em casa, mais tempo na internet. Começaram a fazer mais pesquisas, perguntas. Ficou mais difícil expor nosso status aos outros. A forma de consumir mudou. A possibilidade de vivenciar uma refeição em determinado restaurante badalado, e mostrar nosso status com isso acabou. A chance de usar o look caríssimo e de marca que você tem não existe mais. Pois se você for a alguma festa nesse momento e compartilhar isso você ainda pode sair como errado. Agora temos mais pessoas online para poder criticar todo e cada movimento que você fizer e compartilhar, os famosos haters, trolls e etc.

Nossa forma de consumir no geral foi questionada. Ao invés de comer fora, as pessoas voltaram a fazer suas refeições. Começaram a se perguntar qual a necessidade de tal coisa, tal comportamento. O estilo de vida mais minimalista aproveitou essa onda e está em alta.

Tudo mudou. E porque com a moda não seria diferente?

Se você acompanha nossos conteúdos já, principalmente de história da moda, viu que a moda é mais do que apenas roupas, ela é comportamento e sociedade. E nossos comportamentos e nossa sociedade foi o que mais mudou com esse momento. E como a moda acompanhou isso?

Para você ter uma ideia, já faziam alguns anos que muitas marcas de moda vinham recamando do sistema que a moda caminhava e como ele era pouco lucrativo. Afinal você tinha que investir horrores com divulgação e eventos para poder conseguir um espaço ao sol. E isso era impactado no valor final do seu produto, que nem sempre dava muito retorno e lucro. Por vários anos marcas fecharam os anos no negativo (não quer dizer que estavam falidas, mas no panorama geral do ano estavam gastando mais do que ganhando).

Com a pandemia de 2020 muita marcas entraram com pedido de falência. Marcas históricas como Hermés, Chanel, Nike, Barneys, Victoria’s Secret, Quicksilver, anunciaram pedido de falência, fechamento de centenas de lojas físicas e cancelamento e pausas das produções de suas coleções. Falaram abertamente que não tinham dinheiro para pagar seus fornecedores e colaboradores. Se isso aconteceu com os grande imagine com os pequenos! 

Vamos pensar no sistema em que a moda funcionava. Ele é basicamente o mesmo desde sua criação lá em 1900 por nosso Charles Worth. Os desfiles, o estilista, o sistema produtivo em massa. Qual a real utilidade e função disso tudo agora? O digital ainda existe e tem ganhado mais destaque, mas ele ainda não tem o mesmo resultado que o real. Um exemplo, o destaque eu um look ganha no tapete vermelho ainda é maior do que um post viral. A mesma coisa as vendas, as vendas digitais cresceram, mas ainda não são representativas como eram as vendas físicas.

As semanas de moda ainda estão acontecendo, mas com que impacto? Não é mais um grande evento, pois não devemos ter muitas pessoas reunidas por questões de segurança. Afinal os desfiles de moda são grandes eventos, movimentam milhares de pessoas, são tão grande quanto um show. Como fazer isso no virtual? Ou simplesmente não fazer? Então como divulgar isso? Tem tanta coisa acontecendo digitalmente e ao mesmo tempo que fica difícil escolher e prender a atenção das pessoas por muito tempo. É tanta informação que as pessoas não sabem mais o que consumir.

As pessoas estão ficando mais conscientes em relação ao que consomem e como consomem. As grandes marcas que estão conseguindo se adaptar perceberam oportunidades no artesanal, único, exclusivo. Peças e trabalhos artesanais não podem ter dois iguais, cada um tem seu detalhe único. E isso tem sido a forma de agregar valor aos produtos pelas grandes marcas. Pois realmente ninguém pode ter uma peça igual à sua. Técnicas artesanais são mais trabalhadas, geram menos resíduos e reconhecem o trabalho de quem fez aquele trabalho.

Tudo tem se atualizado, modernizado, mas a moda insiste em não mudar.

Pode parecer um pouco exagerada minha frase, mas vou tentar explica-la melhor para você.

Com esse momento atual vemos que tudo tem se atualizado. A forma como nos comunicamos, nos locomovemos, organizamos nossas vidas, trabalhamos. As tecnologias estão cada vez mais em nossas vidas fazendo tarefas para a gente, ajudando nossas rotinas. Você consegue se imaginar sem seu celular por um mês?

Aceitamos que a forma de nos comunicar ficou melhor com a tecnologia (mensagens instantaneas), a forma como pagamos nossas contas e mexemos com nosso dinheiro (fintechs), a forma como comemos e no locomovemos (apps de comida e mobilidade). Até programas do governo são digitais, o trabalho está se tornando remoto e digital, a educação está aprendendo a ser digital.

Então porque a forma de fazer as roupas ainda é a mesma desde que a primeira máquina de costura foi inventada (1851)? O que mais se vê no meio da moda e confecção é resistência às tecnologias. Máquinas que podem automatizar atividades de confecção custam caro demais e ainda vão “roubar lugar do trabalhador”. Compensa pagar centavos e incentivar o trabalho escravo do que investir e incentivar novas tecnologias no sistema da moda.

É melhor usar produtos e processos que precise de químicos e sejam mais agressivos, pois eles são mais baratos e vão me dar o resultado mais rápido. Ou seja, quero rapidez e baixo custo ao invés de pensar no cenário geral e no meio ambiente. É mais legal ter 15 calças jeans no guarda roupa, algumas que custavam mais caro para serem rasgadas do que o tecido em si.

Eu sou a favor do artesanal. Acho esse trabalho incrível, trabalho assim e brigo por mais reconhecimento nesse setor. Mas porque é artesanal não quer dizer que tem que ser feito sem tecnologia. Outras áreas artesanais como carpintaria tem sempre maquinários novos e mais tecnológicos para facilitar a vida deles. Porque não vemos isso (de forma acessível) na moda? Assim podemos pegar técnicas que hoje estão sendo perdidas, pois ninguém quer aprender algo que demore, tome tempo, mesmo que tenha um resultado inigualável. As pessoas querem rapidez ao invés de qualidade.

Quem não se atualiza fica para trás, perde, morre. E eu vejo que muitas pessoas nesse setor não querem se atualizar. Adoram fazer cursos de moda, mas só se for presencial. “Eu não consigo aprender com vídeos”, “não aprendo se não for presencial”, “preciso do professor do meu lado para entender”. Isso é o que mais ouço. E eu digo para vocês: então você não vai aprender mesmo.

Quantas pessoas que eu ensinei no presencial que fizeram todas as aulas e atividades, mas eu posso dizer que não aprenderam nada. Saber no máximo repetir. Sabe aquela sensação de que você terminou o curso mas não consegue fazer nada sozinho? Quer dizer que você não aprendeu. Culpa do professor? Culpa sua? Não tem como saber. Mas esse sentimento tão comum no digital também existe no presencial.

Você não vai aprender nada se ficar o tempo todo se distraindo ou preocupado com as notificações do seu celular. Se ficar costurando com a cabeça na sua casa e nas atividades que tem que fazer. Não vi aprender se não repetir em casa sozinho. Para as crianças podemos obrigar a fazer as tarefas, que é uma atividade de reforço do conhecimento, mas para os adultos isso é perda de tempo. Não não é! É o momento de transformar as informações em conhecimento, e ninguém além de você pode fazer isso.

Então aceite que tudo está mudando e a forma de aprender também. A moda está mudando, aceitando as tecnologias. Roupas estão sendo impressas em 3D, tecidos mais tecnológicos e antibactericidas, medidas podem ser tiradas digitalmente. Se você não aceitar essas tecnologias e mudar com elas, vai ficar presa num passado que ninguém mais vai fazer parte. Depois não reclame que não tem mais espaço no mercado para ti, afinal, você não quer fazer parte desse novo mercado. Desse novo normal.

Afinal algo normal é algo que esteja dentro da norma. Dentro de algo comum a todos. E a pergunta que devemos fazer no momento é: qual é a norma? Se você souber me conta. Enquanto isso vou tentando aprender e me atualizar conforme tudo muda o tempo todo…

 

OBS: Peço desculpas a quem tenha se ofendido pelo post. Ele é praticamente um desabafo. Vejo muita resistência aonde não deveríamos ter. Se queremos o novo, temos que estar aberto à ele e não criar mais desculpas. Também não sou perfeita e tenho dificuldades pra lidar com todas as tecnologias. Mas entendo o valor delas e busco aprender. Não quero ficar para trás. Vou tentar trazer o que posso para vocês. Mas sempre sem receitas prontas. Somente colocando as ideias na tela para criar pensamentos em você, assim você cria seu próprio conhecimento com as informações disponíveis.

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *